Sabe, esse disco do Art Blakey é uma coisa muito curiosa. Provoca-me uma sensação muito esquisita. Parece que já conheço as músicas há muito tempo. Os temas não me soam nada estranhos. Os timbres dos instrumentos parecem sabores que já trago na ponta da língua desde moleque. Eles são como fatos que sei de cor; como, por exemplo, o fato de que dois e dois são quatro ou de que a Bastilha foi derrubada em 1789. Fatos que, quer sejam verdadeiros, quer sejam falsos, eu jamais os esqueço. Aliás, acho bonita a expressão "saber de cor". Descobri que ela descende do latim, onde “cor” queria dizer coração. Com isso, a gente descobre que, para os antigos, a sede da faculdade da memória localizava-se no coração e não no cérebro, como se acredita hoje. Estranhamos isso, porque, no Brasil, “cor” é pouquíssimo usado para se referir ao coração. Não utilizamos "cor" para falar de nossas dores. Usamos bastante "cor", mas para falar de nossas cores. Nós, brasileiros, sujeitos pra lá de modernos, dispensamos a fisiologia dos antigos e partimos logo para o: “Ah, isso eu sei de cabeça...”.
Já os ingleses, não tão modernos quanto nós, quando desejam dizer que alguém sabe algo de cabeça, usam “by heart”; assim como os franceses, que para dizer que conhecem algo de memória, usam a expressão "apprendre par coeur", que, traduzindo literalmente, fica "saber de coração". Eles espremeram o termo latino popular “cor” e obtiveram a palavra “coeur”, que, a gente, em português, pronuncia “quer”. Aliás, o querer e a inteligência eram as outras faculdades que, além da memória, moravam no coração dos antigos. Mas, não paramos por aí; existe também a famosa expressão: “saber de cor e salteado". Olha que lindo isso! Não bastava, apenas, saber de todo o seu cor, mas, o desgraçado ainda salteia. Saltear significa, segundo o dicionário, atacar de súbito, surpreender, tomar de assalto. Mas, devo confessar, que, a mim, “saltear” sempre foi dar saltos e coices como um doidivanas, pulando no ar, ricochetando como um beuzebú descarrilhado em terras de saci (lugar onde – nunca esqueçam disso - uma calça dá pra dois) destruindo tudo o que vê pela frente. Eu até imaginava um substantivo adequado à pessoa que salteava: era o saltimbanco.
Na escala da sabedoria, “de cor e salteado" vale mais que “de cor”. Saber “de cor e salteado” é mais do que conhecer bem; é saber com grande precisão, é dominar uma coisa com perfeição, reconhecer seus mínimos detalhes de cabo a rabo. A perfeição contém o desejo do “cor” e a surpresa do “salteado”. Um desejo surpreendente, cheio de dentes, que ao dobrar a esquina, te toma de assalto, te mordendo ferozmente como um vira-lata revoltado com seu contra-cheques aviltante (que lhe causa muita humilhação diante de dona cadela), é uma manifestação da perfeição? Não saberia dizer. Chamo-o, apenas, disco.
Há, então, duas fases distintas, ou ainda, dois momentos indispensáveis a este disco. O primeiro momento é o "saber de cor" e o segundo o "saber de cor e salteado". Saber de cor é aquele momento ao qual me referi lá no comecinho, o instante em que tenho uma impressão de que aquelas músicas moram em meu cor desde que nasci. Já o segundo momento, advém do “saber de cor” acrescido deste tal "salteado". E o salteado, meus amigos, está se fazendo agora!
Já os ingleses, não tão modernos quanto nós, quando desejam dizer que alguém sabe algo de cabeça, usam “by heart”; assim como os franceses, que para dizer que conhecem algo de memória, usam a expressão "apprendre par coeur", que, traduzindo literalmente, fica "saber de coração". Eles espremeram o termo latino popular “cor” e obtiveram a palavra “coeur”, que, a gente, em português, pronuncia “quer”. Aliás, o querer e a inteligência eram as outras faculdades que, além da memória, moravam no coração dos antigos. Mas, não paramos por aí; existe também a famosa expressão: “saber de cor e salteado". Olha que lindo isso! Não bastava, apenas, saber de todo o seu cor, mas, o desgraçado ainda salteia. Saltear significa, segundo o dicionário, atacar de súbito, surpreender, tomar de assalto. Mas, devo confessar, que, a mim, “saltear” sempre foi dar saltos e coices como um doidivanas, pulando no ar, ricochetando como um beuzebú descarrilhado em terras de saci (lugar onde – nunca esqueçam disso - uma calça dá pra dois) destruindo tudo o que vê pela frente. Eu até imaginava um substantivo adequado à pessoa que salteava: era o saltimbanco.
Na escala da sabedoria, “de cor e salteado" vale mais que “de cor”. Saber “de cor e salteado” é mais do que conhecer bem; é saber com grande precisão, é dominar uma coisa com perfeição, reconhecer seus mínimos detalhes de cabo a rabo. A perfeição contém o desejo do “cor” e a surpresa do “salteado”. Um desejo surpreendente, cheio de dentes, que ao dobrar a esquina, te toma de assalto, te mordendo ferozmente como um vira-lata revoltado com seu contra-cheques aviltante (que lhe causa muita humilhação diante de dona cadela), é uma manifestação da perfeição? Não saberia dizer. Chamo-o, apenas, disco.
Há, então, duas fases distintas, ou ainda, dois momentos indispensáveis a este disco. O primeiro momento é o "saber de cor" e o segundo o "saber de cor e salteado". Saber de cor é aquele momento ao qual me referi lá no comecinho, o instante em que tenho uma impressão de que aquelas músicas moram em meu cor desde que nasci. Já o segundo momento, advém do “saber de cor” acrescido deste tal "salteado". E o salteado, meus amigos, está se fazendo agora!
postado por du tom
2 comentários:
du tom, que boa surpresa essa do blog!
e esses brasileiros são uns fisicalistas hereges que querem acabar com a alma, com o coração.
Querido Du tom;
excelente acordar com a poética essencializada no teu texto! Texto tem textura, que num é só vista,mas também sentida. Escutada? Sim: quero conhecer esse tal Blakey pra lembrar que no Brasil tem muito jeca que quer imitar gringo, pensando ao invés de sentir, e fazendo então mal-feito.O Glaaaaaauber Rocha, falando rápido pra cacete, dizia que somos um povo sentimental. E aí num há empecilho em pegar algo bonito lá de fora e reportar pra nossas realidades. A gente salteia de dor, de medo, de fome, de dengue, de raiva porque a porcaria do flamengo tomou vareio, mas também salteia consertando as coisas com o olhar no momento de subir ao saltar, o que altera consideravelmente a descida.Queda? Só se fosse concertar, racionalmente,com técnica, salteando que nem a Daiane ou a Jade Barbosa esperando um dez e importando-se mais com a qualidade da vitrola do que com o Vinil. Consertar é fazer do mundo música: a palavra sonora, feita....de amor. E isso, a gente pode...
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