sexta-feira, 8 de agosto de 2008

Camus e o pensamento do absurdo

“É preciso imaginar o Sísifo feliz”


Só existe um problema filosófico realmente sério: o suicídio. Com esta afirmação Albert Camus inicia seus escritos publicados com o título: o Mito de Sísifo. Mas o que está em jogo com uma afirmação tão direta e incisiva? É o sentido da vida, o julgamento acerca da vida, se esta vale ou não a pena de ser vivida.
Matar-se neste sentido significaria “confessar que fomos superados pela vida ou que não a entendemos (...) ou simplesmente que não vale a pena viver.” A ausência de qualquer sentido para viver, justificaria então o suicídio? A constatação da inutilidade do sofrimento, da ausência de sentido das coisas, e do mundo mesmo, a constatação do absurdo seria simplesmente solucionada pelo suicídio? Segundo o autor “fingimos acreditar que negar um sentido a vida leva obrigatoriamente a declarar que ela não vale a pena ser vivida”. Será que o reconhecimento do absurdo, que é a vida, nos coloca como única via escaparmos dela? De modo que, para Camus o absurdo nos confronta com a morte, com a falta de sentido das coisas, e, portanto nos coloca diante da questão fundamental para todo o pensamento filosófico, recolocada novamente, se a vida vale a pena ou não mesmo diante de sua ausência de sentido, mesmo diante de seu absurdo?
E o que é este absurdo? Como podemos descrevê-lo? Camus aloca o pensamento, ou melhor, o sentimento do absurdo, como; “... Aqueles lugares desertos e sem água onde o pensamento chega a seus limites(...) e o verdadeiro esforço, pelo contrário, é o de se sustentar ali, na medida do possível e examinar de perto a vegetação barroca de suas regiões afastadas.” A impossibilidade de dar sentido a tal sentimento, de defini-lo com um conceito único e claro é o que, em partes, o caracteriza. O sentimento do nada, “aquele singular estado de alma em que o vazio se torna eloqüente, em que se rompe a corrente dos gestos cotidianos, em que o coração procura em vão o que lhe falta, é, então o primeiro sinal do absurdo”.
Essa estranheza diante da cotidianidade, da rotina de nossa vida, aparece num questionamento sem respostas, e a “fuga” do mundo familiar, é na verdade a possibilidade deste mundo e voltar a ser o mais próprio, em toda sua profundidade, na sua ausência de lógica e sentidos.
Do mesmo modo, nas reflexões de Nietzsche, sobre a história da filosofia enquanto metafísica, e mais precisamente como niilismo, foi colocado a noção de niilismo como sendo um destino inexorável da humanidade. De modo que a única resposta, ou atitude perante este é assumí-lo, tomando consciência de seu alcance e tragicidade, na medida em que é destino. Somente em sua afirmação residiria a verdadeira tomada de posição diante deste, e não confundir esta afirmação do niilismo como pessimismo, pois este último negaria a vida em todas as suas dimensões. O niilismo, quando ativo, afirmaria a vida ao afirmar-se perante o sofrimento. “O importante não é se curar, mas conviver com os próprios males”.
Camus aponta a centralidade no pensamento do absurdo, como uma tomada de consciência perante a fatalidade do mundo, diante da consciência da finitude, da morte, e do tempo. O absurdo, que na verdade é provocado por um sentimento, nasceria então do confronto, nunca de uma tomada de posição, entre o apelo humano, de sentido e racionalidade, e, o silêncio irracional do mundo, sua ausência de sentido. Segundo Camus “é em nossa nostalgia de unidade, em nosso apetite de absoluto que ilustra-se o movimento essencial do drama humano”.

Neste sentido imaginar o Sísifo feliz é uma metáfora para nossa condição enquanto jogados nesse nada, na ausência de sentido que seria o nosso mundo, e ainda, na consciência de tal situação, dizer sim à vida e a todas as suas faces, é dizer sim também ao sofrimento. A respeito do destino de Sísifo, Camus coloca: “É durante seu regresso, a pausa, o descer o cume que Sísifo me interessa (...) essa hora que é como uma recíproca e que se repete com tanta certeza quanto sua desgraça, essa é a hora da consciência (...) nesse momento Sísifo é superior ao seu destino. É mais forte que sua rocha”.
Assim como Nietzsche, Camus parece acreditar que a única resposta para o niilismo, é consumando-o em suas últimas conseqüências, afirmando sua inexorabilidade e deste modo transgredindo-o. “Não há destino que não possa ser superado com o desprezo”.

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